Primeira fatura

Chegou mais uma fatura do balcão de negócios da Renovação e Transparência, a primeira do segundo mandato do atual presidente. Dez anos depois de promover o saneamento econômico do clube, destruído por eles mesmos e seu patriarca Alberto Dualib, as promessas de gigante mundial, do ponto de vista administrativo, não se cumpriram. E claro que refletem em campo.

Foi este o caso de ontem. Descaracterizado pelo terceiro grande desmanche do período aqui referido (sendo que o de 2018 se dividiu em duas partes), o Corinthians foi uma triste sombra em Santiago.

Repleto de jogadores experientes, o Colo Colo engoliu o alvinegro no aspecto técnico e mental. Classificou-se na bacia das almas pela primeira vez desde 2007, após seis quedas seguidas em primeira fase, e trabalhou para chegar um nível acima na partida de ontem.

Já o nosso lado, trabalhou para contentar os amigos empresários, que auferem lucros sem igual no país em suas relações econômicas com o clube que precisa voltar a nos pertencer – coisa que não sei mais se um dia ocorrerá, dado que a cada hora que passa o futebol parece mais um bem de consumo e não um sentido de vida.

Dessa forma, conclui-se que o resultado foi mais do que justo, senão previsível. Aliás, justo não foi porque Cássio teve uma atuação brilhante. Coisa que chego a lamentar.

Como promovem tamanha depredação do time quando nos vemos – ou víamos – em vias de reencontrar o Palmeiras num confronto eliminatório de Libertadores? É certo que essa lógica ridícula de comprar e vender como um fim em si é tônica em todos os rivais, inclusive os mais abastados do momento, a exemplo do rival da zona oeste e do Flamengo, também escangalhado às vésperas do confronto com o Cruzeiro.

Mas o ponto é: eles prometeram, lá naquela reestruturação de anos atrás, que colheríamos os frutos de um clube economicamente saudável e poderoso. Com isso, engolimos em seco um processo de encarecimento do acesso ao estádio (iniciado antes da Arena) que, somado aos contratos de TV e publicidade, fizeram do clube o mais rico em termos de “valor de marca” do continente.

O combinado era pagar esse preço para colher uma potência não só futebolística, mas institucional, anos à frente. No entanto, a promessa dos novos tempos simbolizada na Copa de 2014 já disse a que veio: uma farra para os atores do circo, dirigentes, empresários e também jogadores, cada vez mais a passeio nos clubes brasileiros; consequentemente, um engano atrás do outro para os amantes e seguidores.

Pois bem: de que adianta ser a maior potência econômica do continente se um clube de mercado bem mais periférico e carente de recursos se prepara melhor que você para um confronto na maior competição de todas?

Notem que até aqui ignoro o que se fez ou deixou de fazer no gramado do lindo Monumental David Arellano, estádio-estádio, do jeito que deviam ter feito aqui também, registre-se.

Apesar do retrospecto pífio em confrontos decisivos nos últimos 10 ou 20 anos, o Colo Colo tem mais ou menos o mesmo cartel do mosqueteiro na Libertadores. Perder na condição de visitante para um time de seu porte não seria, em última instância, uma vergonha.

Mas no contexto desta quarta foi, sim, um tremendo vexame. O campeão brasileiro não pode passar 78 minutos sem dar um arremate na direção da baliza nem contra o Real Madrid, que dizer contra um time cujo ataque depende de um trio de veteranos que teve seu grande momento com a camisa do Cacique na década passada.

Nosso time, jovem e renovado, pode ter seu valor, mas é muito provável que isso não poderá ser comprovado num meio de temporada tão exigente, cheia de confrontos decisivos e com maratona de jogos incessante. Fico até envergonhado em criticar Osmar Loss. É muito rabo de foguete pra iniciar (do meio) um trabalho.

Esperto, o time da casa soube forçar o jogo tanto em termos técnicos como psicológicos. Não é absurdo que um time com a média de idade do Timão tenha deixado um pouco a desejar neste aspecto.

Desencontrados, nossos onze sequer foram capazes de por à prova a linha de 3 zagueiros chilena, em tese vulnerável o bastante para um maior assédio e capacidade de infiltração – e lembrem-se que depois da linha de 4 meiocampistas, havia um trio de veteranos lá na frente, daqueles que não vão dar um baita calor na marcação de saída de bola.

O lado esquerdo do meio chileno, com Carmona e Perez, foi o destaque que a mídia sempre ávida em bajular nomes famosos deixará de lado. Mas a dupla foi a força que ganhou duelos centrais e mal deixava o Corinthians tramar para além do meio campo.

Questionar o equilíbrio emocional dos atletas é outra inutilidade: time jovem e recém-montado, num contexto de adversidade de ambiente e desempenho, vai tentar se resolver com base na raça, na valentia etc. Além disso, a expulsão de Gabriel nem justa foi – ainda que o volante pudesse mesmo evitar o primeiro cartão.

Mas de todo modo já estamos falando das consequências, e não das causas. Estas se encontram na introdução da crônica. O balcão de negócios, que Andrés e companhia adoram, por mais que venham aos microfones com lágrimas de crocodilo, é o grande elemento sabotador.

Dez anos fazendo contratos e cuidando das revelações da base do jeito que apetece aos empresários, aos parasitas do talento alheio, cujo protagonismo atingiu níveis insultantes. Nenhuma medida pra proteger – e a FIFA definiu legislação positiva neste sentido – garotos que valem milhões das aves de rapina e seus falsos favores.

Dá nisso, claro. Tem que dar. O Corinthians merece demais a eliminação. Que, pelas razões acima descritas, nem seria tão ruim assim. Quem dorme mal um ou dois meses só de pensar num dérbi de Libertadores são os otários aqui.

Para alguns o importante é a roda da fortuna girar e girar, em meio a jogos dia sim dia também, enquanto os torcedores e seu novo perfil vão sendo dopados (“é o nosso futebol, é o nosso futebol, é o nosso futebol…”), até se tornarem consumidores imbecilizados sem nenhuma capacidade de refletir sobre o que ocorre ao redor.

Mas talvez os imbecis sejamos nós, os que se preocupam e indignam.

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